Comandante-geral da PM no MA investigado por receber benefício após se passar por taxista é afastado do cargo
16/12/2024
Coronel Paulo Fernando é citado em investigação que mostrou como policiais, servidores e empresários compraram veículos se passando por taxistas para obterem descontos pelas isenções de impostos. Caso foi revelado pelo Fantástico. Coronel Paulo Fernando era comandante-geral da PM no Maranhão e foi afastado
Reprodução/TV Globo
O governador do Maranhão, Carlos Brandão (PSB), afastou o comandante da Polícia Militar, coronel Paulo Fernando Moura Queiroz. O anúncio foi feito nas redes sociais, após o escândalo conhecido como 'máfia dos falsos taxistas', revelado pelo Fantástico no último domingo (15).
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Maranhão no WhatsApp
Segundo o governador, o afastamento acontece "para que as apurações se concluam com a maior brevidade e total isenção". Em seu lugar, ficará o coronel Pitágoras Mendes Nunes.
O coronel Paulo Fernando foi citado, em uma reportagem do Fantástico, como um dos beneficiados de um esquema ilegal para obtenção de placas para taxista para compras de veículos novos com isenção de impostos.
Pessoas fingem ser taxistas para comprar carros com desconto de até R$ 20 mil no Maranhão, diz MP
Além do coronel Paulo Fernando, a Secretaria de Segurança Pública informou que os demais policiais que teriam sido beneficiados no esquema também foram afastados.
Coronel Paulo Fernando teve dois carros comprados com isenção
Segundo as investigações, o coronel Paulo Fernando tem o registro de taxista em Bacabal, que fica a 250 quilômetros de São Luís, e já teve dois carros comprados com isenção de impostos.
O último é de 2021, que custou R$ 14 mil mais barato, como comprova a nota fiscal. Este ano, o comandante admitiu – em documento encaminhado à Secretaria de Fazenda – que é dono de uma vaga de taxista na cidade do interior.
Paulo Fernando reconheceu que "não exerce atividade remunerada em transporte de táxi", e solicitou oficialmente o cálculo dos impostos que não foram cobrados para fazer o pagamento. Apesar disso, o MP afirma que a dívida ainda não foi quitada.
Outro ponto que chamou a atenção é que o carro do comandante não tem placa com números vermelhos, obrigatória em veículos comprados com isenção na categoria táxi.
Por nota o Detran do Maranhão informou que "não pode fornecer informações sobre terceiros. Também reforça que a investigação é sigilosa para não comprometer os trabalhos das autoridades", mas, não esclareceu como o carro do comandante geral da PM foi emplacado como um veículo de passeio.
Como funcionava o esquema
O esquema de corrupção e sonegação de impostos no Maranhão foi descoberto em investigação do Ministério Público do estado. Nele, pessoas se passam por taxistas e usam até alvarás da profissão para comprar carros com descontos que chegam a R$ 20 mil.
São automóveis novos, sofisticados e nada baratos, que circulam com placas com números vermelhos, que indicam veículo de transporte comercial. Nesse caso, táxis. Mas os donos desses carros não levam passageiros em São Luís (MA).
Os investigadores fizeram um levantamento sobre quase 10 mil carros comprados com isenção de impostos de 2020 até 2024 e encontraram indícios de fraudes no emplacamento de 35% deles.
No papel, são táxis, mas, na rua, são carros de empresários e servidores públicos (como policiais militares), que nunca fizeram uma corrida.
No caso apenas de servidores públicos, o MP afirma que 1.038 carros estão rodando com alvarás (documento que permite o trabalho como taxista) irregulares.
"Não há permissível legal que diga que um servidor público possa ter um alvará de taxista", diz o promotor Giovanni Cavalcanti, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate à Fraude Fiscal Estruturada (Gaesp).
"Nós temos também a regulamentação estadual que proíbe essas pessoas de usarem o benefício fiscal para atividades que eles não estão autorizados", completa.
Elisângela e Mário Sérgio são irmãos e teriam comprado carros com categoria de 'taxista', mas não exercem a função
Reprodução/TV Globo
Elisângela Cutrim Santos é uma das pessoas que comprou um carro com a placa de táxi. Ao Fantástico, ela disse não ser taxista, mas foi como taxista que ela comprou o carro zero com desconto de quase R$ 16 mil.
A nota fiscal mostra que ela teve isenção de ICMS e IPI. O alvará que permite Elisângela trabalhar como taxista é da cidade de Bacabal. Só vale para aquele município, mas ela vive e trabalha na capital.
Elisângela é irmã de Mário Sérgio Cutrim dos Santos, coronel do Batalhão de Polícia Ambiental, em São Luís, que também tem um carro com placa vermelha, segundo o MP. A nota fiscal revela que ele comprou o carro como taxista e com a isenção de impostos teve um desconto de R$ 20 mil. De R$ 151 mil saiu por R$ 131 mil.
Para se apresentar como taxista, o coronel usou uma declaração da Prefeitura de Colinas, a 440 quilômetros da capital. Se ele realmente fosse taxista, só poderia rodar naquela cidade.
Depois que o Fantástico abordou sua irmã, o coronel Cutrim procurou as autoridades de trânsito e mudou a categoria do veículo para particular. Ele foi procurado, mas não respondeu até a publicação da reportagem.
Além do coronel Cutrim, o coronel Rômulo Henrique Araújo da Costa também comprou o carro como taxista na mesma época do colega de farda e no mesmo valor com a isenção de impostos. Quase R$ 20 mil de desconto.
O alvará de taxista do coronel Rômulo também é da cidade de Bacabal. Ele diz que fez o requerimento "e a prefeitura concedeu", mas nunca trabalhou como taxista, e que as isenções fiscais são importantes para sua decisão de rodar com uma placa com números vermelhos.
"Eu ainda mantenho o meu alvará funcionando e eu posso, a hora que eu quiser, ir lá em Bacabal e exercer. Eu posso a hora que eu quiser, entendeu?", falou ele ao "Fantástico".
A Secretaria de Segurança Pública informou que a investigação instaurada para apurar o envolvimento de policiais militares, incluindo os três coronéis, ainda não foi concluída. O comandante Queiroz não quis se manifestar.
Servidores também envolvidos
Em um dos casos levantados pelo MP, uma servidora do próprio Ministério Público também usa um carro com placas vermelhas. Mariana Lucena Sousa Santos comprou um carro em março de 2023 com cerca de R$ 13 mil de descontos.
Ao "Fantástico", ela disse que não trabalha como taxista, mas que herdou o alvará do pai. Mariana usou o documento para comprar o veículo e disse que nunca precisou dizer ser taxista durante a isenção dos impostos.
"Eu sou servidora pública. Então, assim, nunca foi necessário. Nenhuma situação em que eu precisei afirmar que eu era taxista", afirma.
Depois da entrevista, Mariana pagou os impostos que não foram cobrados na época da compra. Ela quitou o ICMS e o IPVA. Mesmo assim, o Ministério Público do Maranhão informou que Mariana foi exonerada do cargo.
No prédio não muito longe de onde Mariana trabalha, um auditor do Tribunal de Contas do estado também usa um carro com placa vermelha. O veículo está no nome da mãe de Hunaldo Francisco de Oliveira Castanheiras. A nota fiscal mostra que com as isenções o valor baixou de R$ 126 mil para R$ 107 mil.
Ele explicou que a família toda já foi taxista em Salvador (BA), inclusive ele, e mostrou que o carro tem taxímetro. O atual alvará de São Luís era do pai, que ficou doente e passou para sua mãe. Mesmo assim, ele admite que está usando o veículo sem ter um alvará em seu nome.
Punição
"O policial militar, o auditor, ele é proibido de exercer outra função. Ele não pode exercer outra função, muito menos a função de taxista, que exige quase que dedicação exclusiva", explicou Danilo José de Castro Ferreira, procurador Geral de Justiça do Maranhão.
"A primeira concepção que a gente tem é de cunho moral. Não há necessidade desses servidores terem um benefício, já que a grande maioria são muito bem remunerados", completa.
Pelas contas do MP, os motoristas deixaram de pagar R$ 40 milhões em impostos com as isenções e reduções concedidas ilegalmente.
"Uma pessoa que comparece a uma prefeitura, a um órgão público e obtém o alvará se passando por taxista, fraudulentamente, ele sonega", afirma o procurador.
"Além do crime tributário, propriamente, nós temos crimes contra a administração pública, nós temos possivelmente crimes de lavagem de dinheiro, nós temos também a questão da corrupção passiva", explica.
As autoridades querem saber como foi feita a emissão de alvarás para pessoas que não trabalham como taxistas. Em Bacabal, o MP já abriu uma investigação.
"As investigações vão apontar justamente em que momento se deu isso. Como é que elas conseguiram em vários municípios do estado do Maranhão, o alvará, dentro de uma prefeitura municipal, para fazer compra de carros com isenção", finaliza.